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sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Jerónimo e os Gatunos


No seu discurso por ocasião da Festa do Avante!, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português, proferiu algumas curiosas declarações acerca de «o sobressalto e a justa preocupação dos portugueses» relativamente às «medidas concretas que no curto prazo possam suster o avanço da criminalidade». Mas quando as pessoas mais recordadas da dialéctica marxista esperariam que Jerónimo de Sousa reivindicasse uma repartição menos desigual dos rendimentos e uma luta contra a pobreza nos bairros marginalizados das periferias, o que ouviram foi a reclamação contra a «falta de polícias nas ruas das nossas vilas e cidades».

Este discurso da ordem destina-se provavelmente a atrair aqueles trabalhadores que, pondo as questões de segurança à frente das questões de classe, aceitam o simplismo reaccionário com que a direita, a televisão e a imprensa popular gostam de apresentar o problema; porque Jerónimo de Sousa sabe tão bem como nós que nunca há mais ladrões por haver menos polícias, mas, ao invés, que há sempre mais polícias por haver mais ladrões. A causa dos roubos é muito diferente. E se de um lado se aumentam a pobreza e a precarização do trabalho e do outro lado se aumentam os efectivos policiais, no meio o que é que fica?

Há mais de século e meio, o genial romancista Balzac, que apesar de ser politicamente conservador era muitíssimo mais atento do que Jerónimo de Sousa às contradições sociais, explicava pela voz de um dos seus mais pujantes personagens, uma espécie de anarquista individualista: «Os inimigos da ordem social aproveitam-se deste contraste para se esganiçarem contra a justiça e se indignarem em nome do povo porque se manda para os trabalhos forçados alguém que numa noite vai roubar galinhas num recinto habitado, enquanto se condena só a alguns meses de prisão um homem que arruína famílias com uma falência fraudulenta, mas estes hipócritas sabem muito bem que ao condenarem o ladrão os juízes defendem a barreira entre os pobres e os ricos, que se fosse derrubada traria o fim da ordem social; enquanto o autor da bancarrota, o hábil interceptor de heranças, o banqueiro que dá cabo de um negócio em seu benefício não provocam senão transferências de fortuna».

Pois é. Roubar quando já se tem dinheiro no bolso é muito diferente de roubar quando não se tem dinheiro nenhum.

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