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sexta-feira, 4 de abril de 2008

Livro "Rio das Flores" de Miguel Sousa Tavares

"- O que queres tu? - E Pedro sorriu, nada embaraçado. - Eu não vivo em Lisboa, como o menino: queres que me ponha nas ovelhas? Pois é, eu vou às de Badajoz, importadas; nem todos tiveram a sorte de ter um paizinho que o levou às de Sevilha!"

"Em 1932, inevitavelmente, Salazar chegara ao lugar supremo: presidente do Conselho de Ministros. É verdade que, acima dele nominalmente, havia o Presidente da República, mas os poderes deste, que a constituição de 1933 confirmaria, haviam sido voluntariamente esvaziados de qualquer conteúdo..."

"- Salazar, para o caso de não saberes, é um brilhante professor de Finanças Públicas e apenas o homem que salvou Portugal da bancarrota. Duarte Pacheco é o melhor ministro das Obras Públicas que o país teve desde o Marquês de Pombal...
- Ora, Pedro, que grande elite! Uma elite que é tão brilhante que tem necessidade de silenciar todos os outros, não vá alguém desmacará-los!"

"Como Salazar explicara a António Ferro, com toda a desfaçatez, "a censura tem um aspecto moralizador: o jornal é o alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado, como todos os alimentos."

"Mas acima de tudo, não gostava de alguns traços tão louvados da sua personalidade(Salazar): a de homem sem mulher, sem amantes, "casado com a Pátria", sem filhos, sem amigos, sem irmãos próximos, sem vícios, sem luxos nem fraquezas, que nunca ninguém vira comprar um livro, um quadro, um disco, fumar um charuto ou até um cigarro, ver uma tourada, ir à praia ou ao cinema, gostar de futebol ou de jazz ou mesmo de fado, que nunca viajara fora de Portugal nem sequer a Badajoz, que nunca aceitara confrontar-se numa discussão política ou num artigo de jornal."

"o chefe do posto local da PVDE, a polícia política, em Elvas, confirmara-lhe a veracidade dos relatos sobre a entrega de republicanos fugidos para Portugal às forças nacionalistas espanholas e até lhe mostrara telegramas que revelavam a intensa actividade de vigilância que a PVDE mantinha agora em toda a raia com Espanha, canalizando as informações recolhidas para os governadores civis ou para o quartel-general da polícia, em Lisboa, que as faziam chegar ao governo. Dois homens apenas estavam em poder de todas as informações e deles partiam todas as directivas: Agostinho Lourenço, o director da PVDE, e Oliveira Salazar, o chefe do governo."

"-Isto está a mudar, Diogo! Tenho de reconhecer que este Duarte Pacheco está a mexer com tudo isto. O homem não pára de ter projectos para novas obras, cada uma mais ambiciosa do que a outra: pontes, estradas, barragens, universidades, até piscinas públicas! Olha-me aí o novo edifício do Instituto Superior Técnico: não é fantástico?
Diogo olhou e sorriu. Não queria parecer "estrangeirado", mas não se conteve:
- É. É a arquitectura grandiloquente do fascismo, para encher o olho aos papalvos. Vi o mesmo em Berlim. Se queres que te diga sinceramente, acho horrendo: uma coisa pesada e esmagadora, cheia de ridículas estátuas e estatuetas neoclássicas. Mas não duvido que os nossos intelectuais e artistas estejam esmagados."

"...jovem e frenético ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, que acumulava o cargo com o de presidente da Câmara de Lisboa. Mas ele não se ficara pela Exposição: mandara construir a Praça do Areeiro, abrindo uma nova centralidade a Lisboa, delimitara o Parque de Monsanto, destinado a ser "o pulmão da cidade", e, para o servir, construíra um viaduto sobre o vale de Alcântara e os primeiros quilómetros de auto-estrada em Portugal. No Parque de Monsanto, iniciara as obras do Estádio Nacional, inspirado na arquitectura grandiloquente do fascismo italiano e do nazismo alemão. De Lisboa a Cascais, ao longo do estuário do Tejo, estava também em construção a Estrada Marginal, ex-líbris da modernidade, e mais o aeroporto, a ponte sobre o Tejo em Vila Franca de Xira, e por aí fora, num frenesim de obras públicas a que só a sua morte num estúpido acidente de automóvel poria termo, quatro anos mais tarde."

"Fora criada a Mocidade Portuguesa - grupos de jovens vestidos de fascistas e saudando de braço esticado - inspirada na Juventude Hitleriana, com quem, aliás, trocavam visitas. Em breve, a Mocidade tornou-se obrigatória para todos e passou a fazer parte do curriculum escolar oficial, consistindo em aulas mistas de desporto e actividade física, a par de dissertações teóricas sobre a Pátria e Salazar - proclamado pela Assembleia Nacional <>"

"Missas, acções de graças e vigílias em Fátima foram organizadas às dezenas para agradecer a Nossa Senhora a sorte de Portugal ter Salazar à frente do país. A "vidente" de Fátima irmã Lúcia chegaria a confidenciar ao cardeal Cerejeira - colega dos tempos de Coimbra do ditador e avalista católico do regime junto do compreensivo Papa Pio XII - que a própria Nossa Senhora lhe insinuara "pessoalmente", numa das suas aparições, que Salazar havia sido escolhido por "Ele" para conduzir Portugal na paz e prosperidade. Na verdade, porém, a célebre neutralidade "sabiamente" gerida por Salazar traduziu-se, sim, numa política externa feita de erros graves, ziguezagues ao sabor dos acontecimentos, manhas e expedientes dilatórios e alguns golpes de sorte."

"Tenho medo que a liberdade se torne um vício"

Excelente obra de Miguel Sousa Tavares. Um romance histórico onde podemos perceber um pouco daquela época, e ganhar mais nojo por Salazar. Abraços e Beijinhos

(Excertos retirados da obra "Rio das Flores" de Miguel Sousa Tavares)

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