Dois engenheiros e conhecidos ambientalistas em carta aberta ao ministro da Agricultura alertam para o perigo dos transgénicos.
Senhor Ministro Jaime Silva,
As notícias recentes de que nos dois últimos anos se autorizaram em Portugal mais de 4.000ha de culturas geneticamente modificadas sem as devidas acções de informação e esclarecimento, levam-nos a dirigir-lhe esta carta na firme convicção de que o país enfrenta um dos mais sérios atentados ao seu património agrícola e ao seu ecossistema. Tratando-se de um tema controverso, seria avisado usar da maior prudência, pois é bem sabido que só se devem adoptar novos produtos ou tecnologias depois de devidamente testados e inequivocamente comprovados e nunca em fase de experimentação ou verificação de protótipos.
Por maioria de razão, tratando-se de um assunto que diz também respeito à saúde pública, justificar-se-ia um cuidado redobrado sobre a sua aceitação.
Muito antes de qualquer polémica sobre os méritos ou deméritos dos OGM, como sejam a sua perigosidade para a saúde humana, ou a impossibilidade de controlo sobre a rotulagem já que mais de 90% dos transgénicos se destinam às rações não havendo nenhum controlo sobre os animais que as consomem, importa reflectir sobre os seguintes factos:
- por que razão os governos da Alemanha, da Áustria, da Grécia, da Hungria e da Polónia, decidiram proibir o cultivo de OGM no seu país?
- por que razão o Presidente Sarkozy decidiu recentemente suspender a cultura comercial dos OGM em França? (passamos a citar: "A verdade é que nós temos dúvidas sobre o interesse actual dos OGM, a verdade é que nós temos dúvidas sobre o controlo da sua disseminação, a verdade é que nós temos dúvidas sobre a neutralidade sanitária e ambiental dos OGM.")
- por que razão 27 das 30 maiores cadeias europeias de comercialização (Carrefour, Auchan, Lidl, etc.), decidiram excluir os OGM da sua carteira de produtos?
- por que razão 22 das maiores empresas do sector da alimentação como a Nestlé, a Unilever e a Danone, assumiram o compromisso público de não utilizar ingredientes transgénicos nos seus produtos?
Mas se poderá haver interrogações neste capítulo, outras certezas existem que nos deixam ainda mais apreensivos. Referimo-nos ao atentado à nossa biodiversidade e à perda do nosso património agrícola que resultará da política de patentes prosseguida pelas poucas multinacionais detentoras da tecnologia da manipulação genética.
A partir do momento em que celebra o contrato com uma destas empresas, todo o agricultor fica impedido do direito ancestral de utilizar as suas próprias sementes para reproduzir as suas colheitas. Sendo a semente a essência da vida, esta manipulação química sem respeito pela complexidade e equilíbrio da Natureza, este controlo hegemónico de patentes para monoculturas intensivas, implicará a breve prazo a perda do nosso património agrícola, restando-nos apenas o recurso condicionado aos bancos de germoplasma.
Esta catástrofe anunciada será acelerada pelo risco de contaminação das culturas tradicionais pelos OGM, assunto que tantas dúvidas levanta ao presidente Sarkozy e bem demonstrado pelas acções interpostas pela Monsanto contra agricultores que viram as suas culturas tradicionais inadvertidamente contaminadas pelas geneticamente modificadas dos vizinhos. Suprema perversão! Não só viram as suas culturas contaminadas com produtos que tinham rejeitado, como se viram a braços com a justiça por terem "utilizado indevidamente" uma semente patenteada!
Senhor Ministro, não cremos que Vossa Excelência e o seu Governo se queiram associados a esta "nova" desastrosa aventura.
Antes acreditamos que, à semelhança do que o Governo tem vindo a fazer no sector da energia, promovendo a eficiência energética e o recurso às energia renováveis, Vossa Excelência se encarregará de garantir o direito milenar dos agricultores usarem as suas próprias sementes e proteger a nossa biodiversidade, promovendo uma agricultura livre de sementes geneticamente modificadas e interditando a imposição de patentes sobre a vida.
Aníbal Fernandes e Carlos Pimenta
(Artigo retirado de "O Expresso")